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sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Entrevista: Justino Fernandes


‘Competir

para ganhar’



Antigo atleta e defensor incansável do Desporto, Justino Fernandes tem uma longa experiência. Durante um treino matinal da selecção, o presidente da Federação Angolana de Futebol (FAF) descreveu à Angola’in como está a ser vivida a aventura do CAN. O responsável pelo Comité Organizador da prova está confiante nos bons resultados



O Homem

O desporto sofreu uma evolução, mas nunca tanto foi feito como agora. Como tem vivido a fase de preparação do CAN?

Neste momento, sinto um certo orgulho em ser presidente da FAF. Fui desportista durante muitos anos na selecção de Luanda e de Angola e enquanto atleta fui capitão das duas equipas. Isso deu-me uma certa experiência. Porém, infelizmente, tive de deixar o futebol, que na altura era amador. Joguei no ASA e estive a um passo do Sport Lisboa e Benfica. Porém, a minha mãe (a minha família é matriarcal) não encarou muito bem a minha partida. Éramos uma família bastante unida e decidi não ir.


Foi o desistir de um sonho?

Não, porque queria fazer uma formação superior, situação que acabou por acontecer. Aos 26 anos resolvi dedicar-me totalmente à minha formação. Depois da Independência fui director da Cuca, ministro da Indústria, da Juventude e dos Desportos e assim fui evoluindo. Só mais tarde surgiu o convite para a Federação, quando me pediram para agarrar o nosso futebol, que é um factor de unidade nacional.


Como analisa o trabalho que tem sido desenvolvido pela entidade?

A princípio, tivemos algumas difi culdades, porque a nossa associação não era muito bem vista ao nível da Confederação Africana de Futebol (CAF). Tivemos alguns dissabores com os meus antecessores. O nosso primeiro trabalho foi repor a imagem positiva junto da CAF, algo que conseguimos através de contactos directos com o senhor presidente Issa Hayatou. Entretanto, fui chamado para a comissão organizadora dos CANs e adquiri uma certa experiência. Depois do Coreia / Japão, em 2003, fui convidado para ser membro da comissão de auditoria interna da FIFA, cargo que ocupo até hoje. Nessa altura pensamos em organizar o CAN, mas chegamos à conclusão de que ainda não estávamos sufi cientemente maduros. Recentemente apresentamos a candidatura e de entre oito países fomos escolhidos.






Sempre manteve a esperança de conseguir trazer este evento para o país?

Se não tivesse esperança, nem sequer teria concorrido. O caderno de encargos da CAF não exige que se tenha as condições. Daí o cepticismo de muitos em relação à sua concretização. Estávamos a quatro anos do CAN e conseguimos mostrar que tínhamos os pressupostos todos. E era isso que a CAF queria. Saímos da guerra há seis anos e somos das economias que mais crescem no mundo. O país tem um desenvolvimento económico muito grande. Em dois anos, construímos quatro estádios novos, recuperamos 13 recintos e criamos os equipamentos necessários. Segundo os especialistas, o estádio 11 de Novembro de Luanda é o mais bonito de África, algo de que nos orgulhamos. Para materializar o projecto, foi necessário o apoio do Governo e do senhor presidente José Eduardo dos Santos, que foi fundamental em todo o processo.


‘Frutos’ gerados pelo CAN

A nível de desporto, quais os benefícios deste evento?

Sem infra-estruturas desportivas não há desenvolvimento. O futebol ganhou quatro estádios novos em quatro províncias. Temos infra-estruturas nas 18 localidades, contudo nas que vão albergar o CAN demos um salto qualitativo. Criamos as condições para dar início ao desenvolvimento, existindo igualmente a possibilidade de acolher outros eventos no nosso país, como é o caso da taça das confederações.

O torneio potenciou o desenvolvimento de uma série de áreas, ao nível da hotelaria, da construção civil, até na criação de emprego.


O progresso atrai mais investimentos?

Ora nem mais. Os ganhos serão a todos os níveis. Vamos mostrar que Angola não é só um país de guerra. É um acto de coragem porque vamos abrir as portas ao mundo, após seis anos de conflito e as pessoas não irão apenas ver o futebol. Vão tentar julgar-nos, avaliar a nossa hospitalidade, o nosso carácter e de que forma estamos a progredir. O CAN permitiu a criação de infra-estruturas envolventes, que provavelmente seriam produzidas daqui a uns dez anos. O evento já está a ser um catalisador do progresso. Por exemplo, iniciamos um pólo de desenvolvimento em torno do estádio de Luanda, onde começam a surgir projectos imobiliários, fruto das condições criadas na região.


A nível de recursos humanos acredita que agora é o começar de uma nova era?

É muito bom em termos de formação. E para tal temos que ter formadores. A nossa principal preocupação será em obter técnicos angolanos capacitados, que realmente possam formar os nossos jovens. Pensa-se que um bom jogador de futebol será um bom treinador e não é bem assim. São raros os casos de sucesso. Estes jovens [selecção nacional] aprenderam nos seus bairros, com bolas de trapos. Não tinham os fundamentos técnicos, que foram assimilados aqui, na idade adulta. Temos esse projecto, que queremos colocar em prática depois do CAN. Ao nível das infra-estruturas está aceitável. A vertente de criação de escolas é algo que temos que pensar. Temos ainda que questionar outro aspecto. Sou presidente da FAF em ‘part-time’. Tenho outras responsabilidades no país. Poderia fazer muito mais se estivesse apenas dedicado à federação, pelo que no fim deste mandato, daqui a dois anos, terei que ser substituído por um profissional a tempo inteiro.


Está nos desafios da federação formar equipas capazes de competir com os ‘grandes’ do mundo?

É para aí que devemos caminhar. Queremos ser cada vez mais fortes e há que apostar na formação. Porém, há sempre uma utopia nisso tudo. Por cada jogador congolês que desperta na Europa, fi ca uma série deles desperdiçados. Esses aspectos têm que ser bem ponderados e conjugados com a educação escolar da criança.



O ano de África

Como está a motivação da população?

O apoio do povo angolano é total. Só se fala do CAN, é o centro das conversas de todos. O Governo também tem dado um apoio incondicional, especialmente nos investimentos, mostrando-se interessado, pois sabe que o campeonato é uma mais-valia para desenvolver o nosso país, principalmente no aspecto de dignidade nacional.


Quais são as suas expectativas quanto à prestação da selecção?

Este grupo está a trabalhar muito bem. Quando os que jogam fora se juntarem a esta equipa vamos fazer um bom ‘team’. Não pretendemos participar, queremos competir para ganhar o CAN. Esse é o espírito incutido nos atletas. As conversas que têm com o professor Manuel José têm sido muito úteis. Agora, os nossos jogadores estão a acabar com a inibição. Está a ser feito um trabalho nesse âmbito e estão a ser acompanhados por pessoas especializadas para vencer esses receios.


A equipa tem evoluído tecnicamente?

Há já algum tempo, essa evolução tem sido bastante visível. É evidente que estamos a fazer jogos de treino e é um trabalho feito a longo prazo. Com a integração dos que chegam no dia 26, vão fi car muito mais desinibidos. Temos uma equipa técnica boa.


Apesar não participarem no Mundial de 2010, acredita que o evento pode ser importante para o país, inclusive no aproveitamento dos estádios?

Podemos acolher qualquer selecção no nosso país, principalmente aquelas que vão jogar em Joanesburgo. Temos condições excelentes na província da Huíla que, à semelhança de Joanesburgo, se encontra a cerca de dois mil metros de altitude. Temos um clima fantástico, hotéis excelentes e as equipas estão a procurar esse estádio.


É um ano importante para vocês?

Considero o ano do futebol em África. Em Janeiro será em Angola e em Julho na África do Sul. Estamos muito unidos e os sul-africanos pedem-me para fazer um CAN exemplar, pois será o prelúdio do que vai acontecer na África do Sul.


Que apelo gostaria de fazer à nação?

Deixo um pedido à população para que confie em nós. Estamos a trabalhar para dignificar o nosso futebol e dar uma alegria a este povo sofredor. O nosso obrigado por todo o apoio e prometemos fazer tudo para corresponder às expectativas.

Entrevista: Manuel José




'Os atletas têm de ser gigantes'



Como surgiu o convite para treinar a selecção?

O convite surgiu quando já tinha transmitido ao meu clube no Egipto que não iria cumprir o último ano de contrato, ou seja, a época que está a decorrer 2009/2010. Queria descansar, mas de repente apareceu a selecção. A princípio não estava muito entusiasmado, pois tinha a ideia de parar quatro ou cinco meses.

O que me convenceu foi o desafi o de treinar uma selecção que no ranking africano está numa posição bastante baixa. Hoje é 20ª, mas há uns meses atrás estava no 26º lugar. Além disso, é a selecção de um país que organiza o CAN, o que por si só é motivador, uma vez que me abre mercado ao nível de futuras selecções, podendo desta forma ajudar a prolongar a minha carreira. Sem dúvida que é um acontecimento que cria uma grande expectativa em Angola. Todos querem ganhar. Ninguém acredita no Mundo e muito menos em África que possamos vencer o desafi o, por isso aceitei e não me arrependo.


Como descreve a equipa que encontrou?

Encontrei uma equipa desmoralizada, desmotivada e com índices de confi ança baixíssimos porque vinha de quatro jogos em que não tinha ganho nenhum, tendo inclusive sofrido sete golos. Procurei desde logo difundir ideias diferentes. Comecei a introduzir mudanças, uma delas ao nível do modelo de jogo. Angola jogava com a táctica de 4x3x3 e 4x4x2, na maior parte das vezes, 4x5x1, muitas vezes, e quis que a equipa começasse a jogar num 3x5x2 ou num 3x4x3. Passei de uma defesa clássica de quatro homens, para uma defesa de três, jogando com dois jogadores de marcação e um livre. Depois disso, tenho vindo a incutir nos jogadores uma filosofia competitiva agressiva, de pressing constante sobre o adversário e de circulação de bola. A base do futebol africano e angolano é a técnica e por isso tem-se de jogar de acordo com as características dos jogadores. Dessa forma, passamos a jogar um futebol de pé para pé, curto, de apoio, de passe e de devolução do passe.

Jogamos em situações de dois contra um permanentemente, mas sempre em espaço curto, fazendo-o sem medo e para ganhar contra todas as equipas. Essa é a nossa fi losofi a e a que vamos levar para o CAN.


Essas mudanças foram conseguidas?

Para se ter sucesso, é importante que treinador, equipa técnica e jogadores tenham uma relação profi ssional e pessoal boa, assente em valores de respeito e amizade. Penso que isso foi conseguido. O grupo está formado e pronto para jogar. Faltava-nos ultrapassar o problema da ansiedade. Essa tem sido a nossa maior difi culdade. Para a transpor tratamos de ter profi ssionais de outras áreas, psicólogo, nutricionista, entre outros, que ajudassem a educar a mente dos jogadores. O importante é fazer-lhes sentir e perceber que este evento é um momento único na vida deles e do país, visto Angola ser a anfi triã. Esse é o peso histórico que irá perdurar. Uma responsabilidade de todos, que deve ser encarada com optimismo e funcionar como um factor de superação e não de inibição. O que peço aos meus jogadores é que a personalidade competitiva se revele verdadeiramente. Foi sobre essa matriz psicológica que trabalhamos, no sentido de termos um perfi l forte, em que todos os atletas percebam que têm de ser gigantes.

Jogamos em casa, temos um público fantástico para um estádio lindo, dos melhores e mais modernos do mundo, que comporta 50 mil pessoas e isso tem de ser um orgulho, um prazer e um estímulo para que os jogadores sintam uma vontade tremenda de superação.


É uma equipa de constelações ou a estrela é o grupo?

A estrela é a equipa até porque Angola não tem estrelas. Temos jogadores médios em equipas pequenas e outros atletas a jogar em equipas grandes, mas com um futebol não tão profi ssional, como é o caso dos países árabes. Estão em equipas de topo, mas que praticam um futebol sem a dimensão da Europa. Por esse motivo, o mais importante é o conjunto. Os jogadores têm de jogar para a equipa, com uma humildade grande e uma intensidade alta em cada jogo. Acima de tudo, temos de estar muito concentrados e ser uma selecção compacta e organizada. Queremos jogar sempre para ganhar. Não temos as estrelas que outras selecções têm e que podem

decidir o jogo de um momento para o outro e por isso temos de nos valer acima de tudo do colectivo. Não há outra decisão a tomar, temos de nos superar recorrendo a um espírito guerreiro, com uma entrega total ao jogo.

Com um público deste até a mim me apetecia jogar. Acho que esta é uma oportunidade tremenda para serem felizes.


Como classifica o grupo da primeira fase?

Difícil, mas equilibrado. A Argélia é o 4º qualificado no ranking africano, o Mali é o 7º e temjogadores em clubes como a Juventus, o Real Madrid ou o Barcelona, o que faz deles jogadores

de topo do futebol europeu e mundial. Angola é a mais modesta. A equipa da Argélia é uma selecção que está em alta. Conseguiu, ao fi m de 17 anos suponho, o apuramento para um Campeonato do Mundo. São, por isso, equipas sempre difíceis, muito experientes e que jogam no erro do adversário. O importante é qualificar-nos, depois como são jogos a eliminar tudo pode acontecer.




Independentemente da classifi cação, organizar um CAN é sempre importante para um país?

Não foram apenas os estádios modernos que se construíram, mas também outras infra-estruturas importantes para o desenvolvimento do Desporto. Os espaços devem ser rentabilizados a favor das novas gerações. Angola tem de apostar num projecto de formação e arranjar infra-estruturas desportivas onde os jovens possam aprender. Para formar jogadores, o país dispõe de um leque alargado de escolhas, importa criar um plano. Agora que as vias de comunicação começam a oferecer condições de deslocação por todo o país estruture-se um Campeonato Nacional de Juniores,

um Campeonato Nacional de Juvenis, campeonatos distritais, selecções distritais, escolas de jogadores, centros de formação... Primeiro têm de criar uma organização, depois mais e melhores infra-estruturas porque a matéria-prima existe para ser desenvolvida. Se for feito já, não tenho dúvidas, que dentro de uma década começarão a surgir grandes jogadores. É um investimento a longo prazo.


Como caracteriza os seus jogadores?

Tenho jogadores que são humildes e boas pessoas. Principalmente os que jogam no Girabola, são acima de tudo muito ingénuos. De uma ingenuidade que qualquer atleta de 20 anos a jogar na Europa já não tem. Infelizmente, o nível profi ssional entre o ‘velho continente’ e Angola tem uma diferença muito signifi cativa, daí a razão desta pureza do jogador angolano. Há falta de cultura táctica e os índices de profissionalismo não são elevados. Nos que jogam fora de Angola, nota-se essa diferença porque entretanto já absorveram uma outra cultura, com outros valores, outra intensidade de jogo e outra organização. São diferenças que no jogo se tornam gritantes.

Eleutério Sanches


“Nós somos do mundo”

Nasceu em Luanda, mas foi em Portugal que solidificou a sua brilhante carreira. Eleutério Sanches é o ícone das artes angolanas. Pintor, músico e poeta, acredita que a vida é uma aprendizagem constante e não se incomoda com a definição de místico. O ‘senhor dos sete ofícios’ recebeu a Angola’in e numa conversa intimista falou dos momentos que o país vive, do desejo de leccionar em Luanda e dos seus projectos. Nesta edição especial, um dos principais artistas de Angola aceitou o desafio e pintou a nossa capa. A sua entrevista constitui um verdadeiro passar de testemunho às novas gerações.


Visão da terra natal





Desloca-se a Angola com frequência. Como foi assistir à distância a todas as situações que se desenrolaram no país?

O período da guerra foi por um lado desmotivador e, por outro, terá motivado coisas, que não são propriamente terapêuticas. A guerra é sempre má. Claro que se colhem também muitos ensinamentos. Neste momento, penso que, ainda que as memórias devam ser sempre guardadas e daí tirar-se muitas elações, há ainda muitas lições a tirar. Agora, o ambiente é muito mais propício para o país progredir em todos os aspectos, não só no lado criativo propriamente e na aprendizagem técnica, mas também no sossego que é preciso para criar.

No último mês assinalaram-se os 34 anos de Independência. O que mudou em termos económicos e sociais?

Angola tem progredido em aspectos que têm a ver com o seu desenvolvimento material. Tem-se preocupado com isso. Na última vez, fui a Malange e gostei imenso. Acho que está a andar para a frente. Luanda tem muitos problemas. É uma terra hiper-povoada. A guerra também contribuiu para muitos contrastes do ponto de vista urbano e isso tem de ser e já está a ser corrigido. Muito tem que ser feito e com muita orientação, hierarquizando as coisas mais importantes. Há que tirar as pessoas da pobreza e de aspectos que são degradantes. A guerra trouxe vícios e drogas. Portanto, há ainda muita coisa a corrigir. Está-se a fazer por isso. Há escolas que estão a fazer trabalhos pedagógicos, que têm contribuído já para um certo desenvolvimento e recuperar muita gente desviada. A distribuição populacional de Luanda tem que ser pensada, a ordenação do território tem que se adaptar ao espaço existente e as pessoas só têm a ganhar com isso. Há que fazer uma reintegração.

O próximo ano é decisivo em termos políticos: constituição e eleições presidenciais. Isso pode contribuir para essa mudança positiva?

Penso que sim. Acho que Angola precisava disso. Já há um clima de paz e esse aspecto pode ser feito com mais adequação. Agora, o país tem a capacidade de poder ser governado de uma ponta à outra e naturalmente tem que se criar um aparelho político, que realmente governe, um poder político com outras ambições, com mais ambição de chegar a todos os lados. Tem que se proteger mais, não pode desistir de insistir naquela parte que está desviada da cidadania.






A elevada presença de investidores estrangeiros é benéfica para o país?

A maior parte de Angola está abandonada, mas é preciso fazer esse trabalho de povoamento, privilegiando os de língua portuguesa. Tem todas as vantagens, não só na língua como na cultura e história, que são indissociáveis. Para se compreender o futuro é preciso estudar o passado. Por outro lado, descentralizar Luanda só tem benefícios. Hoje, Angola importa muita coisa que, com o desenvolvimento local, da indústria e do empreendedorismo como deve ser, poderia ser produzida dentro do país. Se todos derem um contributo honesto dá para valorizar não só os verdadeiramente interessados nessas empresas como os angolanos. Agora vão-se fazer parcerias, os dois lados só ganham com isso.

É exequível combater a corrupção?

É possível e eu penso que tudo isso existe precisamente ainda como consequência das guerras. Elas são muito más para estas coisas, tal como contribuíram para separar as famílias, que estão desagregadas, sem estrutura nenhuma e sem capacidade de responder às necessidades que têm. Portanto, isso tem que ser revisto pelos serviços sociais e de inserção, que vão ter muito que fazer.

Estão reunidas as condições para que os jovens que estão fora do país regressem?

Há muita gente fora, que está a estudar e sabemos que alguns não regressam, o que é mau, pois eram necessários. As coisas não são fáceis. Tem havido regressos frustrados por causa de aspectos de colocações dentro das áreas que estudam, mas isto tem que se fazer com tempo. Não podemos querer já tudo de uma vez. Considero que se está no bom caminho e a intenção é essa. Angola tem capacidade para absorver tudo, mas isso depende sempre dos vários lados, dos que estudam e dos que colocam as pessoas nos lugares em que são necessários. Há-de haver certamente muitos aspectos em que é preciso colocar as pessoas em situações que podem ser muito úteis àquele país.

Nova geração de talentos

No caso concreto das artes, um jovem para se formar tem condições para o fazer dentro do país?

Tenho um amigo que começou a trabalhar em pedra e tem uma boa mão para a escultura, que é o António Magina. Esteve nas pedreiras do Mussulo, por iniciativa própria, a fazer a sua pesquisa e estudos. Isso é positivo. Não sei se terá formação académica, mas isso não é totalmente necessário. Há grandes artistas que foram autodidactas e chegaram ao topo. Angola precisa sempre dos seus jovens, mesmo dos que saem para estudar e esses precisam de um estímulo para poder voltar ao país, assim como os que lá estão. É preciso criar núcleos afectivos para que possam desenvolver essas diversas intervenções das artes.

Nas novas gerações, existe talento?

Há, com certeza. Eu creio, e não é chauvinismo da minha parte, que o angolano geralmente tem uma tendência e uma apetência natural para as artes, seja a música, a pintura ou o desenho. Mas claro que é preciso uma iniciação para tudo. Há algumas coisas em que é necessário um impulso. É preciso ir buscar recursos humanos adequados seja lá onde for e não deve haver preconceitos. Tem que se procurar os bons onde os houver, para dar o seu contributo. Angola só ganha com isso. Aliás já estão a fazê-lo em muitos domínios, mais ligados às finanças e às economias, o que também não é mau.

É necessário mais empenho?

Noto que sim, porque as artes voltam a estar numa fase de grande experimentação. O aparecimento de materiais novos obriga a ser dinamizador para novas intervenções. Portanto, estamos também de novo numa fase de grande importância para esse tipo de pesquisa, que tem que ser feita. Não é fácil, é preciso primeiro preparar pessoas para que possam interessar-se a sério e com humildade ir aprender.

“O angolano geralmente tem uma tendência e uma apetência natural para as artes, seja a música, a pintura ou o desenho”

Existe público para a arte nacional?

Há público, mas é preciso formar as pessoas. Agora há uma nova ministra da educação, esperamos que ela, que é uma pessoa sensível, dê um impulso às artes e às coisas relativas às suas diversas manifestações (pintura, cerâmica, etc).

O artista

Como descreveria o seu percurso profissional?

O meu avô dizia que eu desenhava em qualquer suporte, por exemplo na areia. Eu lembro-me realmente do percurso de iniciação normal. Os miúdos têm uma inquietação pelo riscar, pela linha e às vezes essas coisas manifestam-se muito cedo. Há crianças muito precoces e eu comecei com poucos anos a fazer os meus riscos e rabiscos. Depois fui desenvolvendo e houve alguém no liceu Salvador Correia, o meu professor de geografia, André Simbrone, que reconheceu o meu talento. Houve várias pessoas a incentivar-me. Vim formar-me em Lisboa, onde estudei Belas Artes e consegui, ainda antes de ser aluno, fazer uma exposição. Fiz um certo sucesso no Palácio Foz.

Em Lisboa, trabalhou durante 10 anos no departamento de Ergoterapia do hospital Júlio de Matos…

Foi talvez dos sítios onde colhi mais no acto de ensinar, se é que ensinei alguma coisa. Ali a arte funcionava como terapia para criar os ambientes propícios a que as pessoas se libertassem, porque são doentes de vária ordem (esquizofrénicos, maníacos depressivos, atrasados mentais, etc.). E os que tive como alunos eram de uma diversidade muito grande. Foi uma experiência muito interessante para mim, por ter oportunidade de poder conviver com os tais que dizem que são anormais.

Foi professor por muitos anos. Nunca sentiu vontade de leccionar em Luanda?

Senti e já o manifestei várias vezes. Sinto essa vontade e falei nisso ainda no tempo do governador Aníbal Roça, um homem sensível, mas não sei em que estado de desenvolvimento está esse anseio. Gostei sempre muito de dar aulas, porque se aprende bastante. É uma actividade que compensa.

“É necessário esforço, sacrifício e gostar muito [da sua arte]. Se não gosta não vá por aí, procure outra coisa”

Que conselho gostaria de dar aos futuros artistas?

Procurava dar-lhes uma visão geral dos aspectos que são mais desconfortáveis e incómodos e da parte gratificante, que é boa e que traz depois o resultado final. Até lá é necessário esforço, sacrifício e gostar muito. Se não gosta não vá por aí, procure outra coisa. Deve-se gostar sempre, seja lá o que for.

A arte

O que significa a arte para si?

É uma definição que é quase impossível. A arte é tudo o que é vida, o que me motiva, que me revela a beleza, que tem múltiplas aparências. A beleza contém um mistério que é indescritível, que não desmontamos. Eu penso que se a peça se for uma obra de arte, esta transcende o próprio artista. Ele não deve ter a pretensão de querer ler tudo o que faz. Às vezes até pode ser ultrapassado. Arte é a criatividade, é tudo o que nos toca profundamente.

O que faz mais o artista? A parte técnica ou o talento?

Eu penso que trabalhar é fundamental. Trabalhar deve ser um acto constante. E nesse acto penso que está também implícita a contemplação. Eu dou muito valor a isso. Sou capaz de no silêncio da meditação estar a ver uma obra durante umas horas, pegar nesse trabalho e virá-lo de costas para depois retomar noutro tempo. Nós temos uma parte emocional, estados de alma e esse retomar já não é o mesmo. Pode enriquecer aquilo que antes foi iniciado. Há uma parte que de facto é a continuidade, que nos abre para outros universos ainda que estejam no mesmo universo. Mas há em nós a capacidade para penetrar em outros compartimentos desse mesmo universo.

“Arte é a criatividade, é tudo o que nos toca profundamente”

Vai buscar inspiração às suas raízes?

Sempre. É natural, não é forçado. Sou um pintor que não tem preconceitos de motivações. Gosto de qualquer tema. Claro que há os temas afectivos, a que estamos ligados pela raiz e que sem querer já lá estamos. O pintor hoje é como toda a arte. Nós somos do mundo e a arte é planetária em todos os aspectos, porque há cada vez uma maior interacção. Este mundo está cheio de inquietação, em que há aberturas que são louváveis, em que as pessoas aceitam as outras naturalmente e é já um espírito planetário, cósmico.

A arte pode ser um veículo para esse entendimento?

Sem dúvida. A arte é a única coisa que sendo deste mundo já não é deste mundo. Com isto quero dizer que eu não separo os mundos.

Existe alguma obra que o marcou particularmente?

Há muitas. O livro Universo-Transverso responde a isso, pois é uma parte expressiva da minha obra, que está sempre ligada aos elementos, à água, ao fogo, à terra… Estou sempre unido ao universo, ao cosmos. Acredito que todos nós temos essa ligação do espírito profundo. Essa parte para mim é importante e eu acho que isso acontece naturalmente. Não preciso de me inspirar, eu vou buscar a inspiração. Nós somos capazes de a ir buscar.

“A arte é a única coisa que sendo deste mundo já não é deste mundo”

Sente-se orgulhoso por ver as suas obras publicadas nos diversos cantos do mundo?

Naturalmente que sim. Agora convidaram-me para uma exposição que querem fazer com a Unesco, na Suíça. Deve ser para o ano. Espero que se materialize.






É pintor, músico e poeta. O que lhe falta fazer?

Tanta coisa. Eu cultivo estas coisas, também como terapia, no sentido de mi longo, como se diz na terra, de remédio para a alma. Gosto pessoalmente da dimensão terapêutica da arte, de algo que pode ser feito para fazer bem aos outros. Não sei se é possível conseguir sempre isso, nem eu tenho essa pretensão. A verdade é que penso que o mundo precisa disso.

Selecção Nacional


Manuel José fala em "vitória indiscutível" sobre o Malawi



O seleccionador de Angola, Manuel José, definiu hoje a vitória sobre o Malawi (2-0), no Grupo A da Taça das Nações Africanas, como "indiscutível", face a um adversário sem "uma oportunidade de golo".

"Sabíamos que ia ser difícil depois do Malawi ter ganho por 3-0 à Argélia e por isso estar com o moral elevado", referiu Manuel José, para quem o adversário tentou "imprimir um ritmo lento" ao jogo "desde o início", mas a "confiança era muito alta" na equipa angolana, que "não repetiu os erros" do jogo do Mali. Manuel José confessou que estes dois jogos foram "duros", uma vez que foi obrigado a fazer "seis substituições por lesões", por ter vários jogadores "com problemas físicos", sendo certo que não dispõe de "muitas soluções". Deu o exemplo de Gilberto, que "esperava que pudesse jogar, pelo menos, 45 minutos, mas teve de sair mais cedo, mas quem quer ser campeão tem de ter capacidade de sacrifício".

Em relação ao próximo jogo com a Argélia, prometeu que Angola irá entrar "claramente para ganhar", para ser "primeiro no grupo e continuar a jogar em Luanda", até porque "quem joga para o empate pode perder o jogo nos últimos minutos". O treinador português lembrou que em toda a carreira como treinador nunca lhe acontecera "ver uma equipa ganhar por 4-0 a seis minutos do fim e deixar-se empatar".

Por seu lado, o seleccionador do Malawi, Kinnah Phiri, afirmou "não ter explicações" para a exibição da sua equipa e limitou-se a referir que enviaram "uma queixa à Confederação Africana de Futebol (CAF) e à Federação Angolana pelo facto de não termos conseguido arranjar um campo para treinar desde o primeiro jogo frente à Argélia".

Atentado


Angola apresenta nota de protesto a França pelo atentado em Cabinda



O governo angolano apresentou hoje uma nota de protesto às autoridades francesas por não terem detido o autor do atentado em Cabinda contra o autocarro da selecção de futebol do Togo, noticiou a agência Angop.

Em conferência de imprensa, o ministro das Relações Exteriores, Assunção dos Anjos, justificou que o protesto foi apresentado pelo facto de o homem que assumiu a autoria moral e material do ataque de há uma semana circular livremente em França. O governante adiantou que a nota de protesto foi entregue ao representante do governo francês acreditado em Angola.

A agência noticiosa Angop não esclarece a qual dos elementos das forças independentistas de Cabinda se referia o ministro. Segundo Assunção dos Anjos, Angola esperava que França, no âmbito das relações de cooperação, tivesse outro tipo de actuação relativamente a "um acto tão gravoso e atentatório aos ideais mais nobres da humanidade". "É preciso não esquecer que a caravana do Togo vinha participar numa festa da juventude, da paz e da estabilidade, no sentido de dar uma imagem de África diferente", assinalou, adiantando que Procuradoria-Geral da República angolana instaurou um processo-crime contra os autores materiais e morais do atentado ocorrido nas vésperas da Taça das Nações Africanas (CAN2010), que decorre em Angola.

O processo-crime, explicou o ministro, permitirá que sejam desencadeadas acções nos tribunais franceses e suíços, uma vez que a autoria do atentado foi reivindicada por um cidadão a partir de França. Assunção dos Anjos frisou que esperava que o seu homólogo francês, em visita à região Central de África na altura do ataque, tivesse condenado veementemente o incidente que matou o treinador-adjunto, o adido de imprensa da equipa tongolesa e o condutor angolano do autocarro. A posição do governo de Luanda é conhecida no mesmo dia em que mais duas pessoas foram detidas em Cabinda, o professor universitário Belchior Lanço Tati e o antigo polícia Pedro Benjamim Fuca, demitido da Polícia Nacional de Angola na década de 1990, indicou à agência Lusa o deputado da UNITA Raul Danda.

A confirmarem-se estas detenções, passam a quatro as prisões efectuadas pela polícia angolana. Na segunda-feira, fonte militar angolana disse à Lusa que os dois detidos residem em Cabinda e são próximos da FLEC (Frente de Libertação do Estado de Cabinda), mas "não participaram directamente no ataque" contra a selecção do Togo.

A equipa de futebol foi alvo, na sexta-feira passada, de um ataque a tiro perpetrado pelas forças separatistas de Cabinda quando entrava no enclave pela fronteira com o Congo para participar na Taça das Nações Africanas 2010. O atentado contra a selecção do Togo foi reivindicado primeiro pelas Forças de Libertação do Enclave de Cabinda - Posição Militar (FLEC-PM), liderada por Rodrigues Mingas, residente em França, e, mais tarde, pela ala militar da Frente de Libertação do Estado de Cabinda (FLEC), que apontou Rodrigues Mingas como um dissidente.

No entanto, a ala política da FLEC, através do secretário-geral, Joel Batila, residente em França, condenou o ataque e recusou qualquer envolvimento do movimento independentista que dirige.

A ala política da FLEC é liderada por Nzita Tiago, também residente em França.