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sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Eleutério Sanches


“Nós somos do mundo”

Nasceu em Luanda, mas foi em Portugal que solidificou a sua brilhante carreira. Eleutério Sanches é o ícone das artes angolanas. Pintor, músico e poeta, acredita que a vida é uma aprendizagem constante e não se incomoda com a definição de místico. O ‘senhor dos sete ofícios’ recebeu a Angola’in e numa conversa intimista falou dos momentos que o país vive, do desejo de leccionar em Luanda e dos seus projectos. Nesta edição especial, um dos principais artistas de Angola aceitou o desafio e pintou a nossa capa. A sua entrevista constitui um verdadeiro passar de testemunho às novas gerações.


Visão da terra natal





Desloca-se a Angola com frequência. Como foi assistir à distância a todas as situações que se desenrolaram no país?

O período da guerra foi por um lado desmotivador e, por outro, terá motivado coisas, que não são propriamente terapêuticas. A guerra é sempre má. Claro que se colhem também muitos ensinamentos. Neste momento, penso que, ainda que as memórias devam ser sempre guardadas e daí tirar-se muitas elações, há ainda muitas lições a tirar. Agora, o ambiente é muito mais propício para o país progredir em todos os aspectos, não só no lado criativo propriamente e na aprendizagem técnica, mas também no sossego que é preciso para criar.

No último mês assinalaram-se os 34 anos de Independência. O que mudou em termos económicos e sociais?

Angola tem progredido em aspectos que têm a ver com o seu desenvolvimento material. Tem-se preocupado com isso. Na última vez, fui a Malange e gostei imenso. Acho que está a andar para a frente. Luanda tem muitos problemas. É uma terra hiper-povoada. A guerra também contribuiu para muitos contrastes do ponto de vista urbano e isso tem de ser e já está a ser corrigido. Muito tem que ser feito e com muita orientação, hierarquizando as coisas mais importantes. Há que tirar as pessoas da pobreza e de aspectos que são degradantes. A guerra trouxe vícios e drogas. Portanto, há ainda muita coisa a corrigir. Está-se a fazer por isso. Há escolas que estão a fazer trabalhos pedagógicos, que têm contribuído já para um certo desenvolvimento e recuperar muita gente desviada. A distribuição populacional de Luanda tem que ser pensada, a ordenação do território tem que se adaptar ao espaço existente e as pessoas só têm a ganhar com isso. Há que fazer uma reintegração.

O próximo ano é decisivo em termos políticos: constituição e eleições presidenciais. Isso pode contribuir para essa mudança positiva?

Penso que sim. Acho que Angola precisava disso. Já há um clima de paz e esse aspecto pode ser feito com mais adequação. Agora, o país tem a capacidade de poder ser governado de uma ponta à outra e naturalmente tem que se criar um aparelho político, que realmente governe, um poder político com outras ambições, com mais ambição de chegar a todos os lados. Tem que se proteger mais, não pode desistir de insistir naquela parte que está desviada da cidadania.






A elevada presença de investidores estrangeiros é benéfica para o país?

A maior parte de Angola está abandonada, mas é preciso fazer esse trabalho de povoamento, privilegiando os de língua portuguesa. Tem todas as vantagens, não só na língua como na cultura e história, que são indissociáveis. Para se compreender o futuro é preciso estudar o passado. Por outro lado, descentralizar Luanda só tem benefícios. Hoje, Angola importa muita coisa que, com o desenvolvimento local, da indústria e do empreendedorismo como deve ser, poderia ser produzida dentro do país. Se todos derem um contributo honesto dá para valorizar não só os verdadeiramente interessados nessas empresas como os angolanos. Agora vão-se fazer parcerias, os dois lados só ganham com isso.

É exequível combater a corrupção?

É possível e eu penso que tudo isso existe precisamente ainda como consequência das guerras. Elas são muito más para estas coisas, tal como contribuíram para separar as famílias, que estão desagregadas, sem estrutura nenhuma e sem capacidade de responder às necessidades que têm. Portanto, isso tem que ser revisto pelos serviços sociais e de inserção, que vão ter muito que fazer.

Estão reunidas as condições para que os jovens que estão fora do país regressem?

Há muita gente fora, que está a estudar e sabemos que alguns não regressam, o que é mau, pois eram necessários. As coisas não são fáceis. Tem havido regressos frustrados por causa de aspectos de colocações dentro das áreas que estudam, mas isto tem que se fazer com tempo. Não podemos querer já tudo de uma vez. Considero que se está no bom caminho e a intenção é essa. Angola tem capacidade para absorver tudo, mas isso depende sempre dos vários lados, dos que estudam e dos que colocam as pessoas nos lugares em que são necessários. Há-de haver certamente muitos aspectos em que é preciso colocar as pessoas em situações que podem ser muito úteis àquele país.

Nova geração de talentos

No caso concreto das artes, um jovem para se formar tem condições para o fazer dentro do país?

Tenho um amigo que começou a trabalhar em pedra e tem uma boa mão para a escultura, que é o António Magina. Esteve nas pedreiras do Mussulo, por iniciativa própria, a fazer a sua pesquisa e estudos. Isso é positivo. Não sei se terá formação académica, mas isso não é totalmente necessário. Há grandes artistas que foram autodidactas e chegaram ao topo. Angola precisa sempre dos seus jovens, mesmo dos que saem para estudar e esses precisam de um estímulo para poder voltar ao país, assim como os que lá estão. É preciso criar núcleos afectivos para que possam desenvolver essas diversas intervenções das artes.

Nas novas gerações, existe talento?

Há, com certeza. Eu creio, e não é chauvinismo da minha parte, que o angolano geralmente tem uma tendência e uma apetência natural para as artes, seja a música, a pintura ou o desenho. Mas claro que é preciso uma iniciação para tudo. Há algumas coisas em que é necessário um impulso. É preciso ir buscar recursos humanos adequados seja lá onde for e não deve haver preconceitos. Tem que se procurar os bons onde os houver, para dar o seu contributo. Angola só ganha com isso. Aliás já estão a fazê-lo em muitos domínios, mais ligados às finanças e às economias, o que também não é mau.

É necessário mais empenho?

Noto que sim, porque as artes voltam a estar numa fase de grande experimentação. O aparecimento de materiais novos obriga a ser dinamizador para novas intervenções. Portanto, estamos também de novo numa fase de grande importância para esse tipo de pesquisa, que tem que ser feita. Não é fácil, é preciso primeiro preparar pessoas para que possam interessar-se a sério e com humildade ir aprender.

“O angolano geralmente tem uma tendência e uma apetência natural para as artes, seja a música, a pintura ou o desenho”

Existe público para a arte nacional?

Há público, mas é preciso formar as pessoas. Agora há uma nova ministra da educação, esperamos que ela, que é uma pessoa sensível, dê um impulso às artes e às coisas relativas às suas diversas manifestações (pintura, cerâmica, etc).

O artista

Como descreveria o seu percurso profissional?

O meu avô dizia que eu desenhava em qualquer suporte, por exemplo na areia. Eu lembro-me realmente do percurso de iniciação normal. Os miúdos têm uma inquietação pelo riscar, pela linha e às vezes essas coisas manifestam-se muito cedo. Há crianças muito precoces e eu comecei com poucos anos a fazer os meus riscos e rabiscos. Depois fui desenvolvendo e houve alguém no liceu Salvador Correia, o meu professor de geografia, André Simbrone, que reconheceu o meu talento. Houve várias pessoas a incentivar-me. Vim formar-me em Lisboa, onde estudei Belas Artes e consegui, ainda antes de ser aluno, fazer uma exposição. Fiz um certo sucesso no Palácio Foz.

Em Lisboa, trabalhou durante 10 anos no departamento de Ergoterapia do hospital Júlio de Matos…

Foi talvez dos sítios onde colhi mais no acto de ensinar, se é que ensinei alguma coisa. Ali a arte funcionava como terapia para criar os ambientes propícios a que as pessoas se libertassem, porque são doentes de vária ordem (esquizofrénicos, maníacos depressivos, atrasados mentais, etc.). E os que tive como alunos eram de uma diversidade muito grande. Foi uma experiência muito interessante para mim, por ter oportunidade de poder conviver com os tais que dizem que são anormais.

Foi professor por muitos anos. Nunca sentiu vontade de leccionar em Luanda?

Senti e já o manifestei várias vezes. Sinto essa vontade e falei nisso ainda no tempo do governador Aníbal Roça, um homem sensível, mas não sei em que estado de desenvolvimento está esse anseio. Gostei sempre muito de dar aulas, porque se aprende bastante. É uma actividade que compensa.

“É necessário esforço, sacrifício e gostar muito [da sua arte]. Se não gosta não vá por aí, procure outra coisa”

Que conselho gostaria de dar aos futuros artistas?

Procurava dar-lhes uma visão geral dos aspectos que são mais desconfortáveis e incómodos e da parte gratificante, que é boa e que traz depois o resultado final. Até lá é necessário esforço, sacrifício e gostar muito. Se não gosta não vá por aí, procure outra coisa. Deve-se gostar sempre, seja lá o que for.

A arte

O que significa a arte para si?

É uma definição que é quase impossível. A arte é tudo o que é vida, o que me motiva, que me revela a beleza, que tem múltiplas aparências. A beleza contém um mistério que é indescritível, que não desmontamos. Eu penso que se a peça se for uma obra de arte, esta transcende o próprio artista. Ele não deve ter a pretensão de querer ler tudo o que faz. Às vezes até pode ser ultrapassado. Arte é a criatividade, é tudo o que nos toca profundamente.

O que faz mais o artista? A parte técnica ou o talento?

Eu penso que trabalhar é fundamental. Trabalhar deve ser um acto constante. E nesse acto penso que está também implícita a contemplação. Eu dou muito valor a isso. Sou capaz de no silêncio da meditação estar a ver uma obra durante umas horas, pegar nesse trabalho e virá-lo de costas para depois retomar noutro tempo. Nós temos uma parte emocional, estados de alma e esse retomar já não é o mesmo. Pode enriquecer aquilo que antes foi iniciado. Há uma parte que de facto é a continuidade, que nos abre para outros universos ainda que estejam no mesmo universo. Mas há em nós a capacidade para penetrar em outros compartimentos desse mesmo universo.

“Arte é a criatividade, é tudo o que nos toca profundamente”

Vai buscar inspiração às suas raízes?

Sempre. É natural, não é forçado. Sou um pintor que não tem preconceitos de motivações. Gosto de qualquer tema. Claro que há os temas afectivos, a que estamos ligados pela raiz e que sem querer já lá estamos. O pintor hoje é como toda a arte. Nós somos do mundo e a arte é planetária em todos os aspectos, porque há cada vez uma maior interacção. Este mundo está cheio de inquietação, em que há aberturas que são louváveis, em que as pessoas aceitam as outras naturalmente e é já um espírito planetário, cósmico.

A arte pode ser um veículo para esse entendimento?

Sem dúvida. A arte é a única coisa que sendo deste mundo já não é deste mundo. Com isto quero dizer que eu não separo os mundos.

Existe alguma obra que o marcou particularmente?

Há muitas. O livro Universo-Transverso responde a isso, pois é uma parte expressiva da minha obra, que está sempre ligada aos elementos, à água, ao fogo, à terra… Estou sempre unido ao universo, ao cosmos. Acredito que todos nós temos essa ligação do espírito profundo. Essa parte para mim é importante e eu acho que isso acontece naturalmente. Não preciso de me inspirar, eu vou buscar a inspiração. Nós somos capazes de a ir buscar.

“A arte é a única coisa que sendo deste mundo já não é deste mundo”

Sente-se orgulhoso por ver as suas obras publicadas nos diversos cantos do mundo?

Naturalmente que sim. Agora convidaram-me para uma exposição que querem fazer com a Unesco, na Suíça. Deve ser para o ano. Espero que se materialize.






É pintor, músico e poeta. O que lhe falta fazer?

Tanta coisa. Eu cultivo estas coisas, também como terapia, no sentido de mi longo, como se diz na terra, de remédio para a alma. Gosto pessoalmente da dimensão terapêutica da arte, de algo que pode ser feito para fazer bem aos outros. Não sei se é possível conseguir sempre isso, nem eu tenho essa pretensão. A verdade é que penso que o mundo precisa disso.

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