G-8 DE ÁFRICA
O DESPERTAR DO GIGANTE
“Procuremos precisar quais os interesses em jogo na questão. Petróleo! Exclamam de todos os lados. O petróleo opera prodígios, tem ditado a política internacional das grandes potências, assentou e derrubou governos, abalou uma dinastia, criou fortunas fabulosas e conta entre os seus servidores estadistas dos mais notáveis”.
Atlântico Sul – a cobiça ao ouro negro
O Atlântico Sul é hoje um dos mais importantes espaços marítimos abertos que emergem como uma grande potência ao nível do petróleo. Esta área do globo tem assumido, ao longo dos últimos anos, um relevo estratégico enquanto plataforma offshore com significado intercontinental e como “corredor” mundial de fornecimento alternativo. As crises existentes no Mediterrâneo, no Golfo Pérsico e no estreito de Bósforo, bem como o temível descontrolo da situação no Mar das Caraíbas, devido ao carácter internacional instável da Venezuela – o segundo maior produtor latino-americano depois do México – e da Colômbia, fazem do Atlântico Sul um património de elevado interesse, sobretudo ao nível petrolífero. Prevê-se por estes factores que a guerra travada pelo controlo político, que inclui o domínio militar e económico, deste vasto espaço marítimo se intensifique nos próximos anos.
Domínio geoeconómico sob mira
Alvo de um súbito interesse, esta é hoje uma área em convulsão. Apesar do Golfo Pérsico – com aproximadamente 25 por cento da produção mundial de petróleo e 64 por cento das reservas provadas do ouro negro do planeta – e da Rússia e do Mar Cáspio – que detêm cerca de 13 por cento da produção mundial -, serem indesmentíveis concorrentes, a verdade é que lentamente assiste-se a uma tomada de poder pelo ouro negro desta região. Um caminho que atinge os offshores africanos do Golfo da Guiné, da África subtropical e latino-americanos do Mercosul. O Atlântico Sul passou em relativo pouco tempo, no que concerne à produção petrolífera, a ter valores superiores aos do Mar do Norte europeu. O espaço dos países africanos e latino-americanos do Atlântico Sul já produz cerca de 8,5 por cento do petróleo mundial, com especial destaque para a Nigéria e o Brasil, tendo ultrapassado o peso conjunto da Noruega e do Reino Unido. Uma posição de destaque que não tem passado despercebida aos holofotes mediáticos, fazendo prever uma corrida desenfreada ao licenciamento de novos blocos de exploração, particularmente no Golfo da Guiné por parte das multinacionais do sector. Até porque a posição pode valorizar-se ainda mais com uma acentuação da exploração do offshore em águas profundas e ultraprofundas. No entanto, a não integração e união das economias africanas torna-as particularmente vulneráveis às consequências da crise económica que actualmente se vive. Facto a que Angola se mostra atenta, uma vez que ao tomar a iniciativa de relançar a Comissão do Golfo da Guiné (CGG), criada em 1999, o país deu provas de ter uma visão estratégica bem definida. O petróleo não é a panaceia, mas sendo posto ao serviço do desenvolvimento sustentável pode ajudar a atenuar os choques e evitar o esmagamento dos estados-membros mais pobres. A região continua contudo a tirar pouco proveito das suas riquezas, em termos de desenvolvimento humano, infra-estrutural e de equipamentos, ou mesmo energético. Consome menos de dez por cento do petróleo e do gás que produz; exporta essencialmente crude e até os grandes produtores importam gasolina e outros produtos refinados. Deixou-se distanciar pelos outros produtores mundiais na preparação das suas economias para depois do petróleo e agravou além do razoável a sua dependência em relação a um único produto, que representa entre 40 e 90 por cento das receitas dos Estados.
Consumo desencadeia onda de “assalto”
O aumento do consumo petrolífero ao nível mundial (bastante superior a um milhão de barris diários adicionais), faz antever uma concorrência sem freio dos principais importadores – Estados Unidos, a liderar, Japão, China, Europa e Brasil -, conduzindo-os a países como a Nigéria, Angola e Congo (Brazzaville), que representam uma janela de oportunidade devido à possibilidade de crescimento das suas produções diárias. No entanto, o acesso ao produto não é tão fácil como parece. É um caminho cravejado de obstáculos, até porque, por exemplo, o Golfo da Guiné continua a ser um espaço alvo de disputas e de uma desgastante indefinição das suas fronteiras marítimas, que inclusive cortam diversas áreas do offshore petrolífero entre os vários países costeiros. A CGG, criada com o intuito de extinguir estes problemas, tem procurado traçar um novo mapa transfronteiriço marítimo consensual. Alguns enclaves como Cabinda – cerca de 2/3 da produção petrolífera de Angola – ou Bioko (pertencente à Guiné Equatorial) ou a Península de Bakassi (entre a Nigéria e os Camarões) assumem uma importância estratégica neste novo contexto geoeconómico. Assim como, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e as ilhas da Guiné Equatorial. Daí a necessidade de criar espaços regionais economicamente integrados para potenciar o desenvolvimento e extinguir rivalidades e conflitos.
O início da ofensiva norte-americana
Golfo da Guiné: o el dorado
O golfo da Guiné, que conta com 24 biliões de barris de petróleo de reserva, deverá tornar-se, em pouco tempo, o principal pólo mundial de produção em offshore muito profundo. Razão pela qual, a CGG tem vindo a ganhar, cada vez mais, consciência em relação à necessidade de o defender, contrariando um grave desinteresse africano contrastante com a poderosíssima atracção que o mesmo tem vindo a exercer sobre o resto do mundo. O golfo da Guiné é hoje alvo de redobradas atenções na Europa, tendo despertado o interesse de países como a Alemanha, Bélgica, Espanha, França, Portugal, Reino Unido, Polónia, República Checa e Hungria. Tem sido, por exemplo, muito mediatizada a «ofensiva chinesa», mas menos notada a de outras nações asiáticas como a Índia, o Japão, a Malásia ou a Coreia. O Brasil, Israel e vários países árabes estão também atentos às oportunidades de negócio na zona. E vários países africanos – Líbia, África do Sul, Marrocos – procuram reforçar a sua presença.
O papel de Angola
O país quer liderar o conjunto de países do Golfo da Guiné. Um objectivo ao seu alcance, uma vez que Angola está estrategicamente situada entre a África Austral e a Central. As suas riquezas naturais – caso do petróleo e dos diamantes– e as suas forças armadas fazem dela um aliado valioso. Contudo, o seu grande trunfo é ter um líder respeitado pelos seus pares africanos – o Presidente José Eduardo dos Santos -, que tem desempenhado o papel de mediador em reconhecidas acções a favor da paz e da estabilidade da região. A diplomacia angolana tem, aliás, pautado a sua acção pelo respeito do princípio de não ingerência que faz com que não seja acusada de «imperialismo» e de pretensões hegemónicas, como acontece com a Nigéria ou a África do Sul. Entre os produtores africanos de petróleo, a Sonangol é uma referência e Angola um exemplo que muitos gostariam de imitar. Como empresa estatal, a mesma tem servido ao governo como instrumento para uma bem sucedida «diplomacia económica», através de assessorias junto de países «irmãos» e de tomadas de participação na indústria petrolífera de outros países africanos e europeus, designadamente Portugal. No plano interno, tem ajudado a constituição de grupos económicos privados angolanos, investindo parte dos seus lucros noutros sectores de actividade (banca, seguros, transporte aéreo e marítimo, telecomunicações). Superada com êxito a prova das eleições, Angola perfila-se como o país mais estável e com melhores credenciais democráticas da África Central. Assim, é previsível que as pressões aumentem para que assuma maiores responsabilidades no cenário político africano.
Para além do petróleo…o gás
A região dispõe também de muitas outras riquezas desejadas, nas suas águas, nos países ribeirinhos e nos que, sem saída para o mar, têm os portos do litoral como vínculo comercial único ou principal com o resto do mundo. Diamantes, ouro, minérios vários e estratégicos (urânio, manganésio, niquele, alumínio, cobre), algodão, óleos vegetais, cacau, para não falar nos recursos piscatórios, em vias de esgotamento noutras regiões do globo. A madeira é outro recurso que está a ser explorado, sem grande consideração pelos equilíbrios ambientais do planeta e da biodiversidade, nem pelos interesses das populações locais. A bacia do Congo é, depois da Amazónia, a segunda maior zona de florestas húmidas do mundo e está sujeita aos mesmos perigos.
Sem comentários:
Enviar um comentário